Neste 17 de maio, data em que se celebra o Dia Internacional Contra a LGBTIfobia, a OAB Paraná reforça seu compromisso com a promoção dos valores fundamentais garantidos pela Constituição Federal de 1988, especialmente o disposto em seu artigo 3º: promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação.
Foi nesta data, em 1990, que a homossexualidade deixou de ser considerada doença pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Desde então, a data ou a marcar a luta contra todas as formas de LGBTIfobia.
“Mais do que uma celebração, o dia 17 de maio é um chamado para toda a sociedade paranaense refletir sobre o preconceito e a exclusão que ainda marcam cotidianamente a vida de pessoas LGBTI+. É também um momento de reafirmar a importância da educação em diversidade sexual e de gênero, como ferramenta para transformar realidades e garantir o respeito à dignidade humana”, destaca o presidente da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero, Marcel Jeronymo Lima Oliveira.
Apesar dos avanços legais, a comunidade LGBTI+ ainda enfrenta altas taxas de violência e discriminação no Brasil. De acordo com dados do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, o número de denúncias de violações contra pessoas LGBTI+ feitas pelo Disque 100 saltou de 3.948 em 2022 para 6.070 em 2023 — um aumento superior a 50%. Apenas nos nove primeiros meses de 2024, já foram registradas 5.741 denúncias, evidenciando a persistência e a gravidade do problema.
Além das denúncias, o país também continua a liderar o triste ranking mundial de assassinatos de pessoas trans. Segundo o “Dossiê Assassinatos e Violência contra Travestis e Transexuais Brasileiras em 2024”, 122 pessoas trans e travestis foram assassinadas no Brasil somente neste ano, o que marca o 16º ano consecutivo de liderança nesse índice alarmante.
A violência também se manifesta no ambiente digital. Dados da SaferNet revelam que, apesar de uma redução em 2023, o número de páginas na internet denunciadas por disseminar ódio contra pessoas LGBTI+ chegou a 2.561. Em 2022, esse número foi de 8.136 — aumento influenciado, em parte, pelo contexto eleitoral daquele ano.
Desafios 3q5k3b
Em entrevista sobre o tema à equipe de Comunicação da OAB-PR, o presidente da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero, Marcel Jeronymo Lima Oliveira, fala sobre os avanços e desafios enfrentados pela comunidade LGBTI+. Confira:
O que caracteriza a LGBTIfobia no Brasil hoje? Ela se manifesta mais por meio da violência física, simbólica ou institucional?
A LGBTIfobia no Brasil é uma realidade estrutural, ou seja, está enraizada nas instituições, nas relações sociais e nas práticas cotidianas. Ela se manifesta de forma multidimensional, atingindo a população LGBTI+ por diferentes meios — frequentemente de maneira combinada e contínua.
Física, nos altos índices de agressões, ameaças e assassinatos de pessoas LGBTI+, especialmente contra pessoas trans e travestis, que ainda figuram entre as populações mais vulnerabilizadas do país.
Simbólica, através da invisibilização, do silenciamento de vozes dissidentes, do discurso de ódio disseminado nas redes sociais, da censura a expressões culturais e das piadas e estigmas que perpetuam imagens distorcidas e desumanizantes.
Institucional, quando há omissão do Estado, a ausência ou retirada de políticas públicas específicas, além de iniciativas legislativas que buscam retroceder nos poucos direitos já conquistados — como os ataques ao direito à educação inclusiva, à saúde integral e ao reconhecimento da identidade de gênero.
Por se tratar de uma opressão sistêmica, não basta apenas coibir a violência direta: é necessário agir de forma transversal e articulada. Isso inclui o fortalecimento de mecanismos de denúncia, a formação em direitos humanos desde os primeiros anos escolares, e a implementação de políticas públicas estruturantes e permanentes, com enfoque na diversidade sexual e de gênero. O combate à LGBTIfobia exige o compromisso do Estado, da sociedade civil e de todas as instituições.
Quais são os papéis das instituições públicas, como escolas, universidades, Judiciário e Ministério Público, na promoção de uma sociedade mais inclusiva?
Essas instituições exercem um papel central na promoção de uma cultura de direitos humanos, na garantia da equidade e no enfrentamento às diversas formas de discriminação. É fundamental reconhecer que o tema LGBTI+, enquanto pauta institucionalizada, é relativamente recente. Ainda que as lutas organizadas remontem ao final da década de 1980, foi apenas em 2011, com o julgamento da ADPF 132 e da ADI 4277 pelo Supremo Tribunal Federal, que o Estado brasileiro reconheceu juridicamente a união estável entre pessoas do mesmo gênero — marco simbólico de inserção do tema no campo jurídico-institucional.
Essa trajetória relativamente recente explica, em parte, a lacuna histórica da educação formal, que ainda hoje convive com um pânico moral e com fortes resistências à abordagem da diversidade sexual e de gênero nos espaços escolares. No entanto, é dever do Estado e das instituições educacionais tratar desses temas com responsabilidade pedagógica, observando a faixa etária dos estudantes e respeitando os princípios da dignidade da pessoa humana e da pluralidade.
As escolas e universidades devem garantir ambientes seguros, inclusivos e antidiscriminatórios, com políticas claras de combate à LGBTIfobia, formação continuada para docentes e a incorporação da diversidade sexual e de gênero nos currículos de forma transversal e emancipatória.
O Poder Judiciário e o Ministério Público devem garantir a efetividade das normas protetivas e antidiscriminatórias, assegurando o o à justiça e promovendo a defesa da dignidade da pessoa humana como princípio constitucional inafastável.
A neutralidade institucional, muitas vezes alegada, não pode ser justificativa para a omissão diante de desigualdades históricas. É necessário assumir uma postura afirmativa e comprometida com a transformação social, atuando para corrigir desigualdades estruturais e promover a inclusão. Uma sociedade verdadeiramente democrática e plural só será possível com instituições públicas corajosas, conscientes e comprometidas com a equidade.
Como a presença de pessoas LGBTI+ em espaços de poder e decisão pode contribuir para mudanças concretas?
A representatividade LGBTI+ em espaços de decisão é fundamental para garantir que as políticas públicas reflitam a pluralidade da sociedade brasileira. Quando pessoas LGBTI+ ocupam cargos de liderança, conselhos, comissões e parlamentos, tornam visíveis demandas historicamente silenciadas. Elas também atuam como agentes de transformação, questionando estruturas excludentes e propondo soluções mais inclusivas. Mais do que representatividade simbólica, trata-se de participação cidadã efetiva — que contribui para a consolidação da democracia e da justiça social.
Quais ações a Comissão planeja para combater a discriminação e promover a equidade?
No planejamento estratégico da atual gestão da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB Paraná (CDSG/OABPR), assumimos como missão institucional: “Promover a igualdade, o respeito e a inclusão da população LGBTI+ na OAB/PR e na sociedade, combatendo a discriminação e garantindo o o à justiça e a seus direitos.”
A partir dessa diretriz, estabelecemos quatro objetivos estratégicos fundamentais:
- Aumentar a conscientização sobre questões LGBTI+
- Fortalecer a rede de apoio para advogados(as) LGBTI+
- Influenciar políticas públicas em prol dos direitos LGBTI+
- Promover a educação jurídica sobre diversidade sexual e de gênero
Esses objetivos orientam um conjunto de ações que vêm sendo implementadas de maneira integrada, entre as quais destacam-se: 1. a criação de coordenações temáticas, como a Coordenação de Assuntos Trans, Coordenação de Comunicação e Coordenação de Eventos, que ampliam a capilaridade da comissão e permitem respostas mais ágeis e especializadas às demandas da comunidade LGBTI+; 2. a realização de eventos formativos, seminários e encontros abertos voltados à discussão de políticas públicas, legislação antidiscriminatória e estratégias de enfrentamento da discriminação e promoção dos direitos da população LGBTI+; 3. a participação ativa na organização e apoio às Conferências Municipais e à Conferência Estadual LGBTI+, fortalecendo os espaços de escuta social, deliberação democrática e formulação de políticas públicas com base na realidade e nas demandas da comunidade; 4. a atuação conjunta com outras comissões temáticas da OAB Paraná, como a Comissão das Mulheres Advogadas, a Comissão de Igualdade Racial e a Comissão de Estudos sobre Violência de Gênero, reconhecendo que o combate à LGBTIfobia está interligado às lutas contra o machismo, o patriarcado e o racismo — enfrentamentos que são estruturais e devem ser conduzidos de forma articulada e solidária.
A CDSG/OABPR seguirá vigilante, propositiva e atuante na defesa da equidade, da dignidade da pessoa humana e da pluralidade de corpos, existências e identidades. Este compromisso está plenamente alinhado com os fundamentos e objetivos da Constituição Federal de 1988, especialmente:
Art. 1º, que consagra a cidadania, a dignidade da pessoa humana e o pluralismo político como fundamentos do Estado Democrático de Direito;
Art. 3º, que estabelece como objetivos fundamentais da República: construir uma sociedade livre, justa e solidária; erradicar a pobreza e a marginalização; reduzir as desigualdades sociais e regionais; e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Defender os direitos da população LGBTI+ é, portanto, cumprir a Constituição e fortalecer a democracia.